Telegramas descrevem diálogo com embaixadora e papel do ex-ministro José Dirceu
Registros diplomáticos mostram que preocupação foi enviar mensagem de confiança a investidores e negar possíveis "surpresas"
Documentos liberados pelo governo norte-americano mostram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva priorizou a relação com os Estados Unidos, desde que foi eleito em outubro de 2002. Os bastidores dessa aproximação com a administração de George W. Bush estão em telegramas diplomáticos divulgados ontem pelo jornal "Valor Econômico".
A primeira preocupação de Lula foi enviar uma mensagem de segurança aos investidores estrangeiros. Depois ele assumiria papel de moderador na América do Sul, buscando amortecer o impacto da retórica antiamericana do presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
Apenas três dias depois de ser eleito, Lula se reuniu com a então embaixadora dos EUA no Brasil, Donna Hrinak. A conversa foi relatada por ela ao Departamento de Estado norte-americano."Lula salientou repetidamente que queria trabalhar com os Estados Unidos, em geral e na Alca", escreveu Hrinak. Ao presidente, ela salientou que seria importante evitar "surpresas desagradáveis", especificamente uma mudança da política econômica herdada de FHC. "Lula imediatamente respondeu que não haveria "nenhuma surpresa". Que não seria "ideológico'", observou a embaixadora.
A chegada de Lula ao poder foi acompanhada então de grande expectativa, num momento em que a região vivia momento de instabilidade. A Argentina enfrentava profunda crise econômica, com suspensão de pagamentos dos credores internacionais. Na Venezuela, Chávez foi vítima de duas tentativas de golpe de Estado -os EUA chegaram a reconhecer um governo provisório- no mesmo ano.
"Enviar uma mensagem de confiança era uma necessidade naquele primeiro ano tão difícil", disse à Folha o ex-embaixador Roberto Abdenur, que serviu em Washington. "Não se tratou de submissão. Lula sempre foi muito lúcido sobre que tipo de relação ter com os EUA", explicou.
Uma fonte do gabinete do chanceler Celso Amorim explicou que a situação era agravada por causa do perfil ultraconservador dos principais assessores do Departamento de Estado americano, à época encabeçado por Colin Powell e hoje por Condoleezza Rice.
Para Abdenur, a desconfiança das autoridades americanas e dos investidores só se dissipou completamente a partir do seminário a empresários no luxuoso hotel Waldorf-Astoria, em junho de 2004.
"O secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, se dirigiu a Lula para cumprimentá-lo pelo discurso. No dia seguinte, ele divulgou nota elogiando a política econômica do governo Lula", lembrou Abdenur.
Em memorando desclassificado pelo governo americano, Snow relatou detalhes da conversa que teve com o presidente brasileiro. "Lula disse que o Brasil está seguindo a política externa mais agressiva de sua história. Ele quer usar seu bom relacionamento com figuras regionais como uma força pela estabilidade e pela democracia na região", escreveu.
O papel do ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) é registrado com destaque nos documentos do governo americano. Dirceu estabeleceu um canal de interlocução privilegiado com Rice, em uma estratégia de Lula para agilizar os contatos.
Para a Casa Branca, haveria certa resistência na cúpula do Itamaraty sobre uma relação amistosa com os EUA.
O trabalho de Dirceu se concentrou basicamente em criar laços com investidores estrangeiros e amenizar a tensão nas relações dos EUA com a Venezuela. Em março de 2005, Dirceu se reuniu em privado com a secretária de Estado americana, por cerca de 15 minutos.
Um telegrama registra: "Dirceu afirmou que Lula já tinha aconselhado Chávez sobre a necessidade de ser mais cuidadoso em sua retórica. Ele acrescentou que o Brasil não acredita que Chávez esteja apoiando as Farc".
Fonte: Folha de S.Paulo (7/5/2008)
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