PCB EM FRANCA


CLAYTON ROMANO - Historiador e Membro do PCB

Era realmente uma situação estranha. Uma cidade com tradição operária sem traços salientes da tradição comunista. Assim era Franca até ontem.

Sem dúvida, a forte presença do chamado "novo sindicalismo" na organização dos trabalhadores francanos desde o início da década de 1980, especificamente os da indústria de calçados, contribuiu decisivamente para que eventuais marcas deixadas pelos comunistas perdessem seu significado histórico. A velocidade impressionante com que muitos atores daquele movimento sindical organizaram seu partido político e chegaram ao Paço Municipal, no intervalo de apenas uma década, denuncia a extensão do petismo na cidade. Somando-se a isso outros aspectos conjunturais, tais como o colapso do "socialismo real" e a própria consolidação da hegemonia petista no interior da esquerda brasileira, de fato, os comunistas em Franca não tinham chance alguma.

Portanto, não causa espanto que a iniciativa de se restabelecer o Partido Comunista Brasileiro (PCB) na cidade ocorra neste exato momento; afinal, existem condições objetivas.

Hoje, o Partido dos Trabalhadores (PT) esgotou seu ciclo original de vida. Ao assumir o governo federal, o PT completou o arco de sua trajetória, iniciada e construída nas trincheiras da oposição; o que não significa dizer que o partido tenha esgotado seu projeto histórico ou perdido sua relevância política. No plano nacional estas são questões que somente o tempo poderá respondê-las. Porém, em Franca esse tempo já passou e pelo visto não foi em vão...

O refluxo do petismo na cidade é evidente. Após a inesperada vitória em 1996 e um governo "apenas" frustrante – tendo em vista toda a expectativa gerada em torno do primeiro "governo dos trabalhadores" na história francana –, o Partido dos Trabalhadores encontrou sérias dificuldades para reeleger Gilmar Dominicci quatro anos depois e, em 2004, não elegeu o
sucessor. Longe de pretender demarcar aqui toda a série de contradições anotadas pelos petistas durante o período, atualmente não parece nenhum um exagero entender Franca como um retrato – monográfico e específico – do "pós-petismo". E neste caso, o restabelecimento do PCB na cidade pode mesmo ser recebido como uma de suas conseqüências mais promissoras.

Reunidos no PCB – sua original (25/3/1922) e legítima expressão partidária –, os comunistas brasileiros são detentores de extensa tradição nas lutas democráticas e populares do país, sempre pautados pela construção de uma sociedade justa e igualitária. Em Franca, seus novos artífices darão prosseguimento a esta tradição se posicionarem o Partido Comunista Brasileiro num posto privilegiado, donde lhe seja permitido orientar, organizar e dirigir uma alternativa programática de esquerda para a cidade – e não somente do ponto de vista eleitoral.

Para tanto, é preciso que os comunistas francanos: a) se dediquem ao estabelecimento imediato de um diálogo aprofundado com vários setores e classes sociais, com outros partidos, sindicatos, organizações e movimentos sociais; b) estimulem a constituição de "fóruns de unidade" em todos os segmentos e áreas de atuação do PCB, buscando concentrar esforços em lutas unitárias; c) sistematizem as demandas apresentadas de modo geral pela sociedade, particularmente aquelas oriundas das classes populares, com vistas à elaboração de políticas públicas e pautas de reivindicação; d) utilizem todos os meios de comunicação e de formação disponíveis para difundir princípios, debater idéias, cobrar responsabilidades e propor ações, com especial atenção para a Internet, o que não excluí a urgência na publicação de um jornal e/ou periódico.


Decorrente deste conjunto de ações simultâneas e interdependentes, a formação política dos sujeitos envolvidos pode em médio-longo prazo render ao PCB de Franca a premissa reservada por Gramsci ao partidos modernos; e talvez seja mesmo a consagração da concepção gramsciana de "intelectual coletivo" o real desafio dos comunistas francanos, isto é, reconhecer como sua a responsabilidade de retirá-la da teoria e instituí-la na prática.

E aqui novamente a questão democrática se coloca diante do PCB; questão que atravessou o século passado e permanece incógnita aos comunistas do 21.

Será possível lutar pela emancipação de todos explorados pelo capital e seu sistema, em meio à parafernália eletrônica e à individualização progressiva nas relações sociais, sem que os
comunistas se dediquem efetivamente ao aprofundamento da democracia em todos os níveis da sociedade?

Será possível conquistar postos avançados na luta pela hegemonia política, bem como se empenhar na realização plena dos interesses proletários - cuja finalidade, todos sabem, é a superação da própria condição de exploração entre homens e mulheres, entre capital e trabalho -, sem que os comunistas estejam integralmente envolvidos à agenda democrática do país (isto é, com sua práxis orientada para o fortalecimento das instituições da República, forçando seu alargamento até que se consolide a presença das massas; para a reivindicação do acesso proletário ao mundo da cidadania, ao mundo dos direitos; para os embates eleitorais, vistos não como mera tática, mas utilizados como palcos privilegiados para o necessário e urgente diálogo dos comunistas com a sociedade; etc.)?

Por enquanto, o PCB de Franca deve rejeitar o sectarismo infantil e a conveniência da crítica fácil. Sua consolidação enquanto organismo dependerá em curto prazo da capacidade de análise e da consciência de seus atos, palavras e bandeiras.

Somente nestes termos será possível pensar o PCB como uma força dirigente e aglutinadora da esquerda na cidade.

26 de setembro de 2007

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