ENTREVISTA DE DOMINGO: TITO FLÁVIO BELLINI

‘Aqui é o meu lugar. Aqui eu sou feliz’

Foto: Marcos Limonti/Comércio da Franca
UMA CIDADE ESCOLHIDA - O professor Tito Flávio Bellini chegou a Franca e não teve uma boa primeira impressão, mas logo sua relação com a cidade se tornou muito intensa
UMA CIDADE ESCOLHIDA - O professor Tito Flávio Bellini chegou a Franca e não teve uma boa primeira impressão, mas logo sua relação com a cidade se tornou muito intensa

Edson Arantes

Quando chegou a Franca em 1995, Tito Flávio Bellini, 33, não gostou do que viu. Ainda era um jovem prestes a ingressar na faculdade e havia deixado o conforto da casa dos pais, no litoral paulista, para trás. Logo no primeiro dia, teve de esperar mais de duas horas para se instalar em uma pensão na área central. Para matar o tempo, resolveu ligar o rádio para ouvir o jogo do Santos, seu time de coração, contra o Corínthians. As rádios da cidade só estavam transmitindo basquete.

As impressões negativas da cidade foram apagadas rapidamente. Tito estava cursando História na Unesp e, logo no segundo ano, começou a se interessar pela história da cidade. O ingresso no movimento estudantil foi uma questão de tempo. Também não demorou para integrar as fileiras no PT, onde ficou por dez anos. Após se formar, Tito Flávio permaneceu na cidade e casou-se com uma francana. Bebeu, literalmente, a água da careta e fixou raízes em Franca.

A relação com a cidade se tornou tão intensa que sonhou em administrá-la. Em 2008, Tito Flávio se candidatou a prefeito pelo PCB. Os 1.723 votos que recebeu o deixaram longe da vitória, mas o professor marcou seu nome durante a campanha ao defender suas propostas com clareza e articulação. “A gente tentou mostrar que era possível ser radical, atacar a raiz do problema, com propostas conscientes. O desafio da eleição foi desmistificar e mostrar que ser comunista não é comer criancinhas e sair tomando as casas das pessoas”.

Um ano depois das eleições, o professor universitário falou com a reportagem e contou como vê a cidade no momento em que ela completa 185 anos (o aniversário foi no dia 28 de novembro). Crítico como sempre, Tito Flávio também avalia o primeiro ano do segundo mandato do prefeito Sidnei Rocha (PSDB), seu principal alvo durante a campanha, e fala sobre o futuro que espera para a cidade que escolheu para viver.

Comércio - O senhor fixou raízes em Franca há quase 15 anos. Como uma pessoa de fora vê a cidade no momento em que ela completa 185 anos?

Tito Flávio - É curioso. Vim para a cidade em 1995 e já tinha ouvido falar de Franca, mas não tinha nenhuma referência, além das tradicionais como o calçado e o basquete. Me surpreendi com o porte da cidade, mas, como todo o jovem que acaba de sair da casa da família e do conforto do lar, vim enfrentar o dia-a-dia sozinho e estranhei bastante no início. Então, caí num tipo de vício muito comum entre os estudantes: o de renegar a cidade e de só ver aspectos negativos. Isto, no meu primeiro ano. Logo no segundo, comecei a acompanhar um pouco mais a história da cidade, a história do movimento operário. Com isto, me aproximei muito mais desta identidade e aprofundei a relação. Comecei a admirar e respeitar Franca cada vez mais. De lá para cá, minha relação com a cidade é intensa. Costumo dizer que sou eu francano por opção. Nasci em Santos e morei em Itanhaém, mas a minha identidade, a minha maturidade toda e o meu crescimento profissional se deram aqui.

Comércio - O que há de diferente entre as contradições de Franca e as de outras cidades?


Tito Flávio - É uma cidade rica, mas com uma pobreza latente. É uma riqueza concentrada. Os dados mostram que sempre estão sendo abertos empregos, mas a renda deles está abaixo da média do Estado. Franca não tem favelas como outras cidades do mesmo porte. A miserabilidade absoluta, como a gente tem em outros centros, não desembocou ainda aqui. Há focos de riqueza muito grande, mas esta riqueza é concentrada. Temos um tipo de contradição que é passível de ser sanada a partir, claro, da organização, da formação, do conhecimento e da cultura.

Comércio - Por que resolveu vir para Franca?

Tito Flávio - O litoral de São Paulo, onde eu vivia, é muito carente em tudo. Lá, o nível e as condições de estudo são muito precárias. Boa parte da juventude de Itanhaém pagava as faculdades particulares em Santos ou São Paulo. Desde jovem, coloquei na minha cabeça que tinha de cursar uma faculdade pública. Sempre me interessei por História. Eu prestei USP, Unicamp, Unesp. Não tenho como negar que, naquele momento, queria muito era fazer USP e ficar em São Paulo perto de minha família, mas me surpreendi e me identifiquei muito com a dinâmica da Unesp. Prestei o vestibular e vim para estudar. Foi até curioso: peguei o jornal (com a relação dos aprovados) e não vi meu nome. Quando cheguei em casa, minha mãe disse que não queria saber e que eu teria de arrumar algum serviço. Olhei melhor e vi que meu nome estava em uma coluna do lado. Acabei vindo para cá e estou construindo minha história dentro da cidade, inclusive, na política. Sempre digo aos meus amigos daquela região, que têm posturas conservadoras, que são próximas do PSDB, que Franca me salvou de ter uma visão fatalista da história. Foi minha vinda para Franca e o contato com a história da cidade que abriram os horizontes para mim e permitiram que eu conseguisse enxergar outras perspectivas e possibilidades. No meu segundo ano de Franca, já comecei minha militância com o movimento estudantil. Foi um aprendizado muito grande. Na mesma época, entrei nas fileiras do PT.

Comércio - O senhor permaneceu no PT por dez anos. Em 2007, resolveu se filiar ao PCB. Qual foi o motivo da saída?

Tito Flávio - Muitos saíram do PT neste último período alegando um tipo de traição. Foi uma discussão moral. Acho que a política tem a questão moral, mas não pode se pautar só por isto. O que me fez sair do PT foi uma questão programática. Não me senti traído. Talvez eu tenha me iludido, acreditando que o PT ia muito além do que eu imaginava no sentido de ideal de transformação. Acreditava que o PT poderia dar uma guinada mais à esquerda como acho importante para um partido político. Percebi que o PT hoje, talvez, seja um partido mais social democrata. Acreditam que é possível uma aliança duradoura entre capital e trabalho. Ao longo da minha trajetória como professor e pesquisador, percebi que são classes ou setores inconciliáveis. Você pode até caminhar conjuntamente por um certo tempo, mas se não tiver um objetivo geral de superação desta contradição, muitos problemas que parecem resolvidos vão voltar à tona.

Comércio - Como foi a experiência de disputar a Prefeitura de Franca?

Tito Flávio - Vou revelar que a decisão da candidatura foi um momento surpreendente até para mim. A gente vinha conversando com outros partidos, particularmente com PSol. A ideia era construir uma aliança, mas não conseguimos chegar a um acordo e ouvimos vários grupos. O pessoal entendeu que seria mais importante uma candidatura própria. Eu estava relutante, pois sabia que isto poderia recair sobre mim, como de fato aconteceu. Aceitei o desafio, pois sabia que era importante a gente ter uma candidatura independente para poder tentar desmistificar um pouco o que é uma política comunista. Gostei muito do processo e acho que a gente pôde qualificar e contribuir muito com o debate e com o conteúdo programático, tanto eu quanto o Rogério (Rogério Limonti, candidato a vice). Ele teve uma posição surpreendente em nível de coerência e comprometimento. O nosso objetivo era ter uma contribuição coerente e radical. Muitas vezes, associam radicalidade com irresponsabilidade ou com utopia. A gente tentou mostrar que era possível ser radical, atacar a raiz do problema, com propostas conscientes. O desafio da eleição foi desmistificar e mostrar que ser comunista não é comer criancinhas e sair tomando as casas das pessoas. É se preocupar com as raízes dos problemas e tentar resolver as contradições de forma duradoura. Acredito que demos o recado.

Comércio - O prefeito Sidnei Rocha está completando o primeiro ano do segundo mandato. Como o senhor avalia a atual administração?

Tito Flávio - Uma continuidade do primeiro mandato. Ele não participou dos debates e, então, era difícil ver o que ele propunha. Algumas propostas surgiram depois das eleições, mas está tudo emperrado, como a construção do novo pronto-socorro. O Sidnei incorporou esta ideia de outro candidato, mas acho isto positivo. A saúde está caótica. O transporte, que foi o mote, talvez, que jogou contra a gente na campanha, está caótico. Algumas ruas são intransitáveis em determinados horários, mostrando que o trânsito não vai bem. Sabemos do apreço que o prefeito tem com a empresa São José, mas ele fez muito pouco em relação ao fim das gratuidades. Acho que o governo tem investido no embelezamento da cidade. As contradições ainda não foram resolvidas. A questão econômica da cidade está paralisada. A Prefeitura tem um papel importante nisto como indutor de desenvolvimento. Acredito sempre que a política é um reflexo da sociedade. O prefeito tem sua classe social de origem e vai sempre defender estes interesses.

Comércio - O Comércio publicou no domingo passado uma pesquisa mostrando que a aprovação popular do prefeito nunca esteve tão alta. Se a administração não está boa, por que a população deu uma expressiva nota para o governo?

Tito Flávio - Eu não daria nota zero para o prefeito. Não sou ingênuo. Algumas questões, como a melhoria do asfalto, são importantes para a cidade, mas acho que, além da propaganda, ele pega muita carona nesta questão nacional. Não é nem fazer uma defesa do governo Lula. É fazer uma leitura clara que, talvez, a população, por falta de informações, não consegue fazer. Um exemplo é a construção do novo campus da Unesp. Pelos outdoors espalhados pela cidade, parece que foi obra dos deputados ou do PSDB, mas mais da metade dos recursos é do governo federal. Tem também o programa Minha Casa, Minha Vida e o acesso ao crédito mais facilitado. Muitas pessoas não percebem que boa parte das conquistas se deu por algumas mudanças pontuais do governo federal e, não, necessariamente, pelo município. Avalio que boa parte desta aprovação do Sidnei é pela operação embelezamento que continua de vento em popa.

Comércio - Quando o senhor chegou à cidade, há 15 anos, a realidade era completamente diferente. Nos últimos anos, o progresso chegou rápido e a cidade viveu um boom econômico. Como vê esta transformação?

Tito Flávio - Algumas redes vêm e outras fecham. A cidade tem crescido muito. Não acho que é um boom tão grande, mas tem crescido. É natural a chegada de grandes redes de lojas e supermercados. Elas vão onde tem dinheiro. O crescimento é natural e não acontece sozinho. Poderia ser um desenvolvimento mais equilibrado, com mais qualidade e mais distribuição de renda. Acho que falta planejamento para o crescimento. O mito da grande empresa geradora de emprego é um perigo. A gente sabe que a grande geração de emprego com maior durabilidade está nos médios negócios. A ação da Prefeitura deveria ser neste sentido.

Comércio - Como professor de história, o que o senhor visualiza de futuro para Franca?

Tito Flávio - É difícil fazer este exercício de futurologia. O que espero é que Franca retome sua capacidade de organização popular. A cidade já foi exemplo para o Brasil inteiro. Creio muito que vai ser a partir de um novo modelo de organização que os problemas serão resolvidos. O traço operário e estudantil contribui muito para a busca de superação. O que idealizo é um crescimento mais planejado e que a população retome sua capacidade de fazer a história. Isto só se faz de forma coletiva, por meio de associações culturais, de moradores, no espaço da igreja ou no partido político. É preciso acreditar que a mudança e a melhoria das condições de vida são possíveis.

Comércio - No começo da entrevista, o senhor disse que chegou jovem à cidade e que viu muitos problemas. A mudança de opinião foi rápida?

Tito Flávio - Minha birra começou no primeiro dia, particularmente. Fui para uma pensão e esperei cerca de duas horas até ela abrir. O Santos estava jogando com o Corinthians e tentei ouvir pelo rádio. Liguei o aparelho e estava passando jogo de basquete. Fiquei com uma raiva naquele momento. Hoje, claro, entendo e passei a acompanhar o basquete. Assim que a fonte da água da careta foi reformada, eu já estava tão entusiasmado e vinculado à cidade, que fiz questão de ir lá e beber. Eu gosto daqui. Franca é o lugar que escolhi.


Fonte: Jornal Comércio da Franca

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