MAIORIDADE PENAL, JUSTIÇA SOCIAL E LUTA DE CLASSES NO BRASIL

RENATO NUCCI JUNIOR

O envolvimento de adolescentes em crimes graves, no Brasil, especialmente a partir da morte do garoto João Hélio, no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2007, gerou uma forte reação dos setores mais conservadores da classe dominante brasileira, que passaram a clamar pela redução da maioridade penal como solução para o problema, alegando, principalmente, duas razões: a redução serviria para inibir a criminalidade praticada por jovens que são usados por adultos para o crime; os adolescentes de hoje possuem informação suficiente para ter consciência sobre as conseqüências de seus atos, devendo, portanto, responder legalmente por eles.

Estes setores defendem várias alterações na legislação: a alteração do Artigo 228 da Constituição, que define inimputáveis os menores de 18 anos, a redução da maioridade penal para 13 anos, nos casos de crimes hediondos, como quer o senador Magno Malta (PR-ES), indiciado pela Polícia Federal por envolvimento na máfia das sanguessugas. Outro alvo é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): foi proposta a redução da inimputabilidade para 16 anos, além de mudanças nas medidas sócio-educativas, com um aumento no tempo máximo de internação, dos atuais três anos para até oito.

Os expoentes da redução da maioridade penal são as frações mais conservadoras das camadas médias e da pequena-burguesia brasileira, alvo preferencial dos crimes contra o patrimônio. As massas populares, expostas ao cotidiano da violência urbana e sem qualquer amparo e proteção do Estado, são uma caixa de ressonância para estas propostas, feitas sem qualquer preocupação com os graves problemas da desigualdade social e da falta de acesso de jovens pobres a bens materiais e culturais propiciados pelo trabalho.

O ECA, pela primeira vez na história brasileira reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, prevendo medidas sócio-educativas proporcionais ao ato infracional e admitindo o internamento apenas em condições de grave ameaça à pessoa, reiteração de infrações graves ou descumprimento de medida anteriormente imposta. No entanto, as forças conservadoras o acusam de ser favorecer a impunidade e o aumento da delinqüência juvenil. É por esse motivo que as propostas de alteração do ECA se concentram nos artigos que tratam da Prática dos Atos Infracionais e nos que definem a aplicação das medidas sócio-educativas.

Os números são alarmantes: de 488 projetos de Lei apresentados no Congresso Nacional sobre o tema, apenas 82 (16,8%) são favoráveis aos jovens; o crescimento do número de internações de jovens cresceu, entre 1996 e 2005, 325% no Brasil, estando 50% desse contingente em São Paulo. No entanto, cerca de 75% dos adolescentes internados tinham cometido atos infracionais como roubo simples, roubo qualificado e porte de armas; atos considerados de média gravidade como extorsão, descumprimento de pena, dano, ato obsceno, violação de domicílio, tráfico de drogas, ameaça, receptação, porte ou uso de drogas, além de furtos. Os crimes contra a vida e uso de violência (estupro, sequestro, homicídio e latrocínio) representam 15% do total.

Os dados não deixam dúvida, portanto, de que boa parte desses atos infracionais é cometida contra o patrimônio. Por esse motivo, as medidas sócio-educativas a serem aplicadas nos jovens infratores poderiam ser abrandadas por um acompanhamento feito por juízes, assistentes sociais, educadores e familiares ao jovem infrator, oferecendo-lhes alternativas. Infelizmente, segue-se o caminho mais conveniente: o internamento do jovem infrator e seu enclasuramento, transformando a medida sócio-educativa em simples ato punitivo. Mas o judiciário utiliza a internação com privação de liberdade como medida corriqueira. Usase a internação como mecanismo para privar a criança e o adolescente em conflito com a lei de seus direitos e garantias.

Fonte: Imprensa Popular (Jun. 2008, p. 7).

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