A PRAÇA, A IDENTIDADE E A UNIDADE DOS COMUNISTAS

SÍLVIA BERNARDINIS - Militante do Partido da Refundação Comunista - PRC/Itália

Um fantasma ronda a Itália: um fantasma em carne e osso, um milhão de comunistas nas ruas de Roma, a maior manifestação dos comunistas italianos após a dissolução do PCI. Uma manifestação promovida pelos diários Il Manifesto, Liberazione e algumas personalidades políticas, entre outras Ingrao, antigo dirigente do velho PCI, pelo respeito e aplicação do programa político-econômico com que Prodi ganhou as eleições, e que põe ao centro a luta contra a precarização do trabalho por uma mudança substancial na política de governo. A passeata acontece em um momento político denso de conflitualidade social e aponta duas questões fundamentais: a presença e a capacidade de incidência dos comunistas no governo Prodi por um lado, e por outro, a resposta às tentativas liquidacionistas em ato que queriam encerrar e dissolver a presença autonoma dos comunistas em uma indistinta e genérica "coisa vermelha", um sujeito único e plural da esquerda, uma esquerda sem adjetivos apresentada como uma necessidade para aglutinar eleitores e ocupar o espaço que se abre à esquerda do cenário político italiano após a fundação do Partido Democrático, incluindo e absorvendo sob um único simbolo (um arcoiris) o PRC, o Partido dos Comunistas Italianos, Verdes e Esquerda Democrática (representado pelo grupo DS que não aderiu ao PD). Nas ruas de Roma, pelo contrário, estavam presentes em massa os militantes do PRC e do PdCI, juntos, apesar das diferenças que os dividiram nos últimos anos, reivindicando claramente sua identidade.

O sucesso da manifestação traz à tona as divergências táticas e estratégicas cada vez mais marcantes dentro do PRC: o atual grupo dirigente, apagado pela experiência de governo e pelas contradições que esta gera, acelera o processo de dissolução do partido.

No curso da primeira assembléia nacional de L'Ernesto, área do PRC, realizada no dia seguinte à passeata, o deputado Gianluigi Pegolo marca o fato da manifestação ter sido "uma enorme expressão de dissenso para com a política do governo e uma demanda de forte mudança de suas diretrizes". O governo até agora tem priorizado a redução dos gastos públicos e o apoio às empresas impossibilitando assim, de fato, uma política de equidade social. Começa esta semana o debate nas Câmaras pela aprovação da lei orçamentária e do acordo entre governo e sindicatos sobre o welfare, que em síntese repropõe receitas neoliberais em matéria de regulamentação do mercado do trabalho e reforma da previdência. Ainda que os resultados da consultação promovida nas semanas passadas pelos sindicatos CGIL, CISL e UIL entre os trabalhadores para legitimar os acordos entre sindicatos e governo tenha sido favorável à posição das secretarias sindicais, a consulta tem mostrado - apesar do grande empenho profuso pelos sindicatos e pela grande mídia em apresentar o acordo como uma vitória para os trabalhadores, vinculando ainda sua aprovação à sobrevivência do governo - o claro não da classe operária que nas grandes fábricas italianas tem reprovado todo o implante do acordo. Forte do milhão de pessoas descidas nas ruas, o grupo dirigente do PRC, segundo as palavras de Pegolo, "deveria fazer valer o seu peso e se não conseguir obter algum tipo de mudança, deveria acarretar as óbvias consequências".

Sobre a hipótese da "coisa vermelha", a posição que sai da assembléia nacional de L'Ernesto é de dissenso radical. A "coisa vermelha, apresentada como solução obrigatória e inevitável para resistir à ameaça representada pelo Partido Democrático, nada mais é se não um núcleo de grupos dirigentes, cuja identidade inconsistente (uma genêrica chamada ao socialismo do século XXI) nasce já minada pelas distinções substanciais em política internacional, ou no welfare por exemplo. Por estas razões além de desnecessária, é perigosa. A partir destas constatações, continua Pegolo, "nossa previsão: a ancoragem ao governo e a diluição em um novo sujeito, estão destinadas a liquidar o projeto político da Refundação Comunista. Perfila-se o exato contrário do que a maioria do partido, propagandisticamente sustenta, isto é, progressiva redução da autonomia do partido, esmigalhamento de sua identidade comunista e assimilação progressiva no esquema bipolar, em função de sustentamento subsidiario ao Partido Democrático".

A formação do PD abre à sua esquerda o espaço para dois polos: um de inspiração socialista, que critica o capitalismo, denunciando e criticando as asperidade sociais sem porém pôr-se o problema de sua superação; o outro de inspiração comunista, que critica os elementos constitutivos do capitalismo e põe o problema de sua superação. "O PRC é chamado a constituir o eixo em torno ao qual construir uma subjetividade comunista e anticapitalista. O secretário Giordano tem razão quando diz que a coisa vermelha não é a unidade dos comunistas. A unidade dos comunistas é importante porque existem diasporas que devem ser recompostas. Isto não quer dizer que concebemos a unidade de forma mecanicista. A unidade dos comunistas não se constitui apenas pelo reconhecimento recíproco a uma mesma referência, mas se baseia na averiguação sobre as coisas, sobre os projetos, sobre a idéia de sociedade. Não poderiamos considerar unidade dos comunistas a relação limitada apenas aos quem, não comunistas, se reconhecem na opção anticapitalista. Esta é nossa idéia de um sujeito político comunista, amplo, aberto, rico de dialética, permeado pela sua relação com a sociedade, atente aos movimentos". Tudo isto passa por uma recuperação da autonomia, autonomia do conflito social, autonomia dos movimentos, autonomia do projeto político da Refundação Comunista, "autonomia que não quer dizer fechamento, mas pelo contrário é condição pela construção de uma ampla frente política e social pela alternativa".

O que está em jogo no próximo congresso, em março de 2008, é a própria sobrevivência do partido. L'Ernesto vai trabalhar para construir a unidade dentro do PRC, com quantos que - prescindindo das precedentes divisões - percebem este risco de extinção, pela manutenção da autonomia do partido, pela sua extensão em uma mais ampla unidade comunista, restituindo a voz à base dos militantes, como afirmado pelo senador Fosco Giannini.

Fonte: PCB

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