PABLO NERUDA
CANTO GERAL (1945)*
Libertadores, neste crepúsculo
da América, na despovoada
escuridão da manhã,
eu vos entrego a folha infinita
dos meus povos, o regozijo
de cada hora de luta.
Hussardos azuis, tombados
na profundidade do tempo,
soldados em cujas bandeiras
recém-bordadas amanhece, soldados de hoje, comunistas,
combatentes herdeiros
das torrentes metalúrgicas,
escutai a minha voz nascida,
nas galerias, erguida
à fogueira de cada dia
por simples dever amoroso:
somos a mesma terra, o mesmo
povo perseguido,
a mesma luta cinge a cintura
da nossa América:
Vistes
pelas tardes a cova sombria
do irmão?
Transpassaste
a sua tenebrosa vida?
O coração disperso
do povo abandonado e submerso!
Alguém que recebeu a paz do herói
a guardou em sua adega, alguém roubou os frutos
da colheita ensangüentada
e dividiu a geografia
instituindo margens hostis,
zonas de desolada sombra cega.
Recolhei das terras o confuso
pulsar da dor, as solidões,
o trigo dos solos debulhados:
algo germina sob as bandeiras:
a voz antiga vos chama novamente.
Descei à raízes minerais,
e às alturas do metal deserto,
toca a luta do homem na terra,
através do martírio que maltrata
as mãos destinadas à luz.
Não renuncieis ao dia que vos entregam
os mortos que lutaram. Cada espiga
nasce um grão entregue à terra,
e como o trigo, o povo inumerável
junta raízes, acumula espigas,
e na tormenta desencadeada
sobe à claridade do universo.
* Trecho extraído de CANTO GERAL (trad. Paulo Mendes Campos), RJ: Bertrand Brasil, 2001, p. 221-223.
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